quarta-feira, 3 de setembro de 2014

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE LOGOS


Em muitos anos trabalhando como designer, sempre que me é solititado o desenvolvimento de um logotipo enfrento um problema muito peculiar: nenhum cliente jamais tem o entendimento do que é um bom logo para sua empresa. Problema que todos outros designers enfrentam. Na verdade muitos profissionais da minha área também tem dificuldade em defender seus projetos junto ao cliente, talvez até pela dificuldade que é de explicar numa reunião algo que se levou anos de estudo pra compreender. Por fim o trabalho escolhido acaba sempre indo pelo critério estético, dentro do gosto pessoal daquele que está contratando, pagando pelo serviço.
A estética não é uma função que deve ser deixada de lado, porém é algo extremamente subjetivo. Cada pessoa tem uma bagagem cultural e vai ter seu próprio senso estético, porém, o profissional de design tem inserido em seus critérios estéticos alguns princípios importantes: conhecimento de teoria das cores, sintonia com as tendências contemporâneas, gestalt, composição, tipografia, etc. Como uma marca é criada para comunicar ao público e criar uma imagem da empresa junto ao público, é primordial que ela agrade ao público, mais que ao cliente ou ao designer.
Adquiri o entendimento de que a marca, representada pelo logotipo e todos valores construídos em torno dela, é o patrimônio mais importante de qualquer empresa, então considero importante esclarecer a grande responsabilidade que existe nesse trabalho. e como este deve ser criterioso. Existe uma série de funções que devem ser cumpridas, muito além do campo estético e podem influir no sucesso ou fracasso de uma empresa.
Obviamente, algumas empresas alimentam suas marcas de significado e dão força a essas, enquanto o contrário também ocorre. Suas marcas fortalecem a identidade da empresa. Vamos dar um exemplo: a Mercedes Benz, Durante décadas fez os melhores carros, primando por qualidade impecável e ganhou uma reputação de excelência no que faz. Essa reputação alcançada com o trabalho de gestão encheu de significado sua marca que, quando vemos, já associamos a status, qualidade, dentre outros adjetivos. Por outro lado, o símbolo inconfundível, inesquecível criou uma identidade tão forte que crava no em nossa memória todo um conjunto de ideias a respeito do carro, não nos deixa esquecer e, ao mesmo tempo a marca faz emergir em nossos pensamentos todos esses adjetivos trabalhados pela empresa. Isso seria o trabalho de marketing, que tem no design gráfico uma de suas ferramentas.
São muitas as abordagens possíveis para se chegar a um bom trabalho de identidade. Vou listar algumas propriedades que acredito devem estar presentes em toda boa marca:

IDENTIDADE: Essa é a principal função. Ser o cartão de visitas de uma empresa, a imagem que representa a empresa e que vai carregar todo significado dela. Eu me lembro na faculdade de arquitetura, meu professor pedindo aos alunos para criarem seus próprios logos. Ele sempre dizia: "não quero nenhuma marca com tijolos e esquadros". Essa foi uma lição importante: sair do lugar comum é primordial para se ter uma identidade forte.
Você sabe o nome de algum funcionário, de algum presidente da Mercedes (continuarei a usar como exemplo)? E os produtos? Estão constantemente mudando, os modelos de carros. O que não muda é a marca e o significado que ela traz. Com o trabalho de identidade bem feito. Basta colocar a estrela sobre o capô de um carro e você já vai lembrar de qual empresa se trata, vai pensar em qualidade, status.
Para uma boa identidade o mais importante é que o logo seja inconfundível. O logo não precisa descrever o trabalho da empresa. Ou seja: o símbolo da Mercedes não precisa ser um carrinho, O do Mc Donald's não precisa ser um sanduíche nem o  da Shell precisa ser uma gotinha de gasolina.
Pelo contrário. Quando se segue o caminho do óbvio você tem grandes chances de cair no lugar comum, ter sua marca confundida com milhares de outras  e portanto, com uma identidade fraca. Sendo assim, o que seria mais correto para uma boa marca de um vinho? Um cacho de uvas ou um cachorro? Claro que um cachorro. Quem optou por uvas, vai ter que disputar espaço no imaginário com milhares de outros vinhos que foram pelo caminho mais óbvio. Seu produto será confundido com outros que também seguiram o mesmo caminho. Por outro lado , um cachorro é tão incomum que, de imediato chamaria a atenção, sem falar de valores que a imagem de um cachorro passariam: fidelidade, melhor amigo do homem, dentre outras coisas positivas. Por mais engraçado que possa parecer com relação a um cachorro em embalagem de vinho, não é apenas um exemplo aleatório, já foi feita uma pesquisa comprovando essa possibilidade.

APLICABILIDADE: Essa propriedade é uma das mais básicas. Só sabemos que um logotipo é realmente bom, quando aplicamos ele no dia a dia. Dependendo da atuação da empresa, poderá ser aplicado em papelarias, impressos, jornais, tv, letreiros, uniformes de funcionários, internet e outras mídias diversas. A marca então depende de uma versatilidade de ser aplicada em vários tamanhos, sobre superfícies diversas, com fundos claros, escuros, às vezes com cores reduzidas, ou mesmo em um espaço com uma relação de altura x largura incomum (totens e letreiros por exemplo).
Muitas vezes um logo mal desenvolvido nesse sentido gera um grande prejuízo. Algumas empresas, quando adotam um logo escolhido de forma empírica, tem um gasto em aplicar esse novo logotipo em seu material corporativo e de divulgação. Em um determinado momento, percebe que está tendo dificuldades na aplicação e, quando finalmente se decide por atualizar a marca, terá novamente o gasto com designer, bem como de reformular todo seu material institucional, de divulgação, letreiros, uniformes, e toda identidade da empresa. Somado a esse prejuízo, existe um ainda maior que é de perder toda identidade construída previamente pela empresa junto ao imaginário dos clientes. Uma nova marca é quase um começo do zero.

REDUTIBILIDADE: faz parte da aplicabilidade da marca. Você precisa eventualmente reduzir o logo, inserir em um anúncio, cartão de visitas e ainda assim, ela precisa ser vista, ser legível e chamar a atenção.  Quanto melhor a leitura em qualquer tamanho, mais visibilidade terá sua marca. Por outro lado existe uma armadilha comum. Os clientes tem obsessão em aumentar suas marcas, colocar em negrito e ocupar todo espaço, e não levam em consideração que a leitura depende também de espaçamento, equilibrio de cores. E que existem outros valores que se passa por cima quando se aumenta e coloca negrito. O trabalho tipográfico vai por água abaixo e, às vezes uma marca precisa ser aplicada menor, com um bom espaçamento, quando se vende a ideia de sofisticação, ou se comunica com um público mais elitizado. A situação específica também dita isso. Um outdoor que vai ser visto de longe, por quem passa de carro precisa de informações maiores e mais bem espaçadas, enquanto um folheto que vai ser visto à mão, a menos de um metro de distância dos olhos não precisa de exageros de tamanho, Isso deve ser discutido sempre com o profissional.

CORES: Poderia incluir cores dentro de aplicabilidade, mas vai além disso. Logicamente as cores são primordiais na aplicabilidade considerando que o trabalho será aplicado nas mais diversas superfícies e deve ser previsto para isso sem perder leitura. Além disso existe toda uma literatura em teoria das cores e psicologia das cores. Cada cor é carregada de significado, algumas excitam enquanto outras relaxam. Algumas cores chocam entre si. De forma resumida, o uso correto das cores pode reforçar ou não a imagem pretendida pela empresa. O cliente deve sempre ter cuidado ao pedir alteração de cores, caso não concorde, questione ao profissional o porque da escolha daquele jogo de cores. A literatura sobre cores é muito vasta e não dá pra me estender demais nesse breve estudo. O verde foi muito adotado em hospitais pois descobriram que ele inibe mais a proliferação de bactérias em relação a outras cores. Eu pessoalmente em hospital prefiro usar o verde, até mais ou azul por serem cores frias que proporcionam relaxamento, remetem a natureza e ajudam na humanização dos espaços. Por outro lado, em hospitais eu evitaria o vermelho que me lembraria diretamente a sangue, além de ser uma cor excitante, geradora de ansiedade. Essa é uma abordagem básica de cores, mas existem outras correntes da arte e psicologia que enxergam as cores por outras óticas. Psicanálise, Jung e Gestalt principalmente.
A psicanálise nos diz que nossa forma de ver o mundo é construída ao longo da vida, a partir da primeira infância. Jung nos fala sobre um conhecimento ancestral, herdado que são os arquétipos, que fazem parte da construção do nosso imaginário. A Gestalt nos diz que o todo é muito mais do que apenas a soma de suas partes, ou seja: uma música é muito mais do que apenas a soma de algumas notas musicais. Essas três linhas de pensamento tem aplicação prática dentro de um estudo de cores.

FORMA:  Essa sim costuma ser a vedete das propriedades de um logo. Já vi muitos colegas afirmarem que uma boa marca precisa ter uma boa silhueta e funcionar bem em uma cor. Existem exceções à regra, mas é um bom caminho a se seguir. A forma é uma importante ferramenta para se chegar ao inconfundível, para se conseguir ter a identidade. Saindo do óbvio, do lugar comum, e ao mesmo tempo chegando a um traço memorizável. Certamente quando eu mencionei pela primeira vez o nome da Mercedes Benz, todo mundo já imaginou uma estrela de três pontas circunscrita, correto? Independente da cor ela funciona e não perde sua identidade. Uma forma bem resolvida chega a independer da cor.  Assim são algumas boas logos como a citada e mesmo o logo da Coca-Cola. Podem fazê-la em verde, vermelho, azul, nada disso vai diminuir a força de sua identidade.

MARCA/SÍMBOLO/TIPOGRAFIA: O logotipo é um conjunto de símbolo e tipografia, podendo ser ambos ou apenas um símbolo ou apenas a tipografia, desde que cumpra sua função.  A estrela da Mercedes tem tanta força que não precisa escrever Mercedes Benz junto ao símbolo. Por outro lado a Coca-Cola não tem símbolo. É apenas tipografia mas funciona bem assim. São duas possibilidades válidas que podem ser trabalhadas. O cliente deve estar aberto a essas possibilidades.

CULTURA: Para o trabalho atingir bem seu público, deve estar sintonizado com a cultura da região. A paleta de cores, as fontes escolhidas e a forma tem que dialogar com o público-alvo. Essas propriedades variam de acordo com o tempo, com a região e com o perfil da empresa. Deve haver diálogo entre profissional e cliente no sentido de que o cliente conhece muito bem seu público enquanto o profissional está sempre pesquisando cores, tipografias e conhece as tendências.

COERÊNCIA:  Toda marca é carregada de significado. O ser humano por natureza, em seu cérebro faz um julgamento daquilo que vê em uma fração de segundos.  As cores e formas são interpretadas e, por isso, um bom trabalho deve ser pensado de forma a transmitir os adjetivos corretos. Em um banco por exemplo, é comum querer transmitir solidez, usando fontes sem serifa, sem muitas curvas. Uma letra manuscrita pode passar tradição, humanização, por outro lado pode passar uma empresa antiquada e ultrapassada. Voltando ao exemplo do banco. O Itaú por exemplo saiu do comum usando duas cores vibrantes, o azul e o laranja. Por si só, já quebra com o lugar comum de outros bancos que ousam menos nas cores. Me remete a algo mais moderno, jovem. Imagino um banco onde tudo se resolve pela internet enquanto outros com a marca   envelhecida ainda usam matinas datilográficas. Entretanto, a marca do Itaú fica inserida dentro de uma caixa. E nada mais sólido que um quadrado, não é? Então apesar de jovem, não se preocupem, porque ele é sólido e não vai falir.

ESTRATÉGIA: desenvolvendo embalagens, algumas vezes uma empresa pequena de sabão em pó, por exemplo, pede para que façamos a embalagem nas mesmas cores, com fontes parecidas com a daquela marca mais famosa. Assim a marca pequena, desconhecida tenta se nivelar com a imagem da empresa com maior reputação. Você vê todas embalagens de sabão em pó parecidas e pensa: deve ser tudo a mesma coisa, pega a mais barata e assim, os pequenos sobrevivem. Por outro lado uma boa empresa de massa de tomate quer colocar sua embalagem na gôndola do super mercado e reparou que todas embalagens são vermelhas. Ela resolve fazer azul. Quando você chega no corredor das massas de tomate, não consegue deixar de reparar um ponto azul no meio de todo vermelho. Aquilo te chama a atenção e você pega uma embalagem pra ler e ver do que se trata. Eventualmente você compra o azul, pra ver se é diferente.
No mundo das marcas o mesmo acontece. Pode ser um escritório de advocacia, um restaurante italiano, japonês, ou uma empresa qualquer. Você quer se estabelecer no mercado e tem que ter uma estratégia. Tentar ser confundido com uma grande marca é uma estratégia que considero mais covarde, por assim dizer, mas é valida e muito usada (popular entre os chineses). O máximo que essa estratégia pode te levar é a ser uma sombra daquele produto ao qual você tentou se nivelar. É importante dizer que uma marca por si só não trabalha. O Logo da Mercedes só ganhou todo seu peso porque a empresa trabalhou sua reputação e a qualidade do seu produto. Definir a estratégia correta então depende da filosofia da empresa, se for trabalhar preço, qualidade, sofisticação. E o trabalho da empresa pode agregar ou destruir um logotipo. Neste caso me lembro das cervejas Kaiser que, nos anos 80 tinham péssima fama, por terem um paladar inferior  ao das concorrentes, caíram no desgosto popular. O estrago causado à marca pelo trabalho da empresa foi tanto que a empresa teve que deixar de lado a cerveja Kaiser e tentou criar outros produtos: Bock, Summer Draft, enfim. Porque se tornou muito difícil tirar uma mancha da reputação mesmo melhorando a receita da cerveja.
Alguns dias atrás eu vi uma cachaça chamada Cura-Veado. O nome, assim como a embalagem usaram do humor para destacar o produto. O fato é que eu nem sequer consigo me lembrar do logotipo, mas o nome da cachaça e sua embalagem não saíram da minha cabeça. Mesmo sem um logotipo marcante, a empresa conseguiu ser lembrada, ter identidade e fica na memória, pela identidade inusitada. O humor não deixa de ser uma estratégia para se diferenciar.

BONITO/FEIO: O bonito e feio são critérios subjetivos. Na teoria do design existe a função estética. É uma função importantíssima de um trabalho, portanto essa função tem bases técnicas. Ao contrário do que se pensa existe embasamento técnico pra estética: Histórico, cultural, regional, ergonômico, econômico, etc. Eu poderia fazer uma longa dissertação sobre o assunto, mas prefiro dizer que uma marca não precisa ser bonita. Ela pode ser feia e às vezes até deve. Eu poderia dizer que podemos deixar de lado a estética e subjetividade e trabalhar apenas com as funções mais objetivas que citei nesse estudo: legibilidade, forma, etc. Mas dentro de tudo que falamos, a marca precisa ter identidade forte. Seja feia ou bonita, ela tem que ser inesquecível e inconfundível e ter uma estratégia. Ás vezes o feio pode ser uma estratégia coerente, por chamar a atenção, sair do óbvio.  Mas mais do que isso, não podemos esquecer nunca que o objetivo da marca é tocar consumidor. A forma de pensar do designer é uma, a do cliente é outra. Nenhuma dessas duas formas de pensar é tão importante quanto a do consumidor final. Por isso o designer e o cliente devem trabalhar em harmonia, respeitando os conhecimentos um do outro e entendendo que devem deixar de lado suas crenças pessoais, focando em entender o comportamento do seu público-alvo. O Designer entretanto é preparado para trabalhar sempre avaliando o objetivo final do trabalho e seu senso estético tem uma base teórica. O ideal então é que antes de rejeitar uma decisão do profissional que o cliente tente entender suas decisões.

SIMPLICIDADE: Esse é um dos erros mais comuns de clientes e profissionais. Na aprovação de um logotipo querer encher as vistas, impressionar. Os logos viram ilustrações rebuscadas visando impressionar o cliente e conseguir a aprovação. Por outro lado, um logo simples é tida pelo cliente como incompetência, equivoco do profissional ou algo do tipo. Deixa eu variar o exemplo. A empresa de carros Audi: são 4 círculos. Só isso! Eu me imagino apresentando a marca da Audi para qualquer cliente que ja tive e, com certeza esse cliente pediria o dinheiro de volta ou pediria novas opções.  Admiro o esclarecimento do dono da Audi de bancar um logo simples assim que se tornou uma marca mundial, das mais bem sucedidas no mundo. Bem, entendendo todos os critérios colocados acima, acredito que seja mais fácil de se entender e repensar os valores de um logo. O fato é que algumas logos feitas pra agradar o cliente leigo, cheias de cores e formas, na maioria das vezes são logos equivocadas e que vão ocasionar uma série de problemas de aplicação, ou não vão cumprir bem suas funções. A simplicidade é um caminho bom para se chegar a uma marca com formas fortes, aplicável e legível, cumprindo tudo aquilo que foi falado acima. Simplicidade não é uma regra, mas o cliente estar aberto a ter uma marca simples, de apenas uma cor é importante, observando as propriedades realmente importantes nesse trabalho.

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Para concluir. Um bom logotipo, assim como qualquer trabalho de design depende da soma de conhecimentos entre cliente e designer. O cliente conhece seu negócio com todas suas peculiaridades, conhece o público que freqüenta seu estabelecimento e deve passar ao profissional contratado o máximo de informações que sirvam de ferramenta para a realização do trabalho. Por outro lado, o designer traz consigo uma bagagem de conhecimento sobre cores, tipografias e teoria que permite tomar as decisões corretas e fazer um logotipo funcional mesmo que esse não seja "bonito" aos olhos do cliente.
Adotar um logotipo equivocado é um tremendo prejuízo à empresa, que vai ter custos em aplicar esse trabalho no seu dia a dia sem ver sua identidade se fortalecer, até se ver obrigado a refazer o trabalho e, além de todos custos de substituir um logotipo, é jogar fora toda sua antiga identidade e começar um novo trabalho junto ao público. Portanto o cuidado no desenvolvimento de um logo deve ser maior que em qualquer outro trabalho de design, porque deve perpetuar, estar presente em todas as peças e carregar consigo toda história da empresa. O logo é seu agente de relações públicas, seu cartão de visitas, toda história da sua empresa e suas principais qualidades.